quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Enquanto faltar água


vou beber o suco imundo da poesia,
gestada pelo amargo da enxurrada, na sarjeta.

Porquê enquanto houver falta fabricada
vou lamber os restos podres da mesquinha humanidade,
porquê toda dor me dói e sinto o mundo inteiro em cada rua.
Vou gritar para além do muro –
para doer em mais estômagos; no âmago!

Vou lembrar dos brilhos nos olhos
usurpados de toda garota que vai para rua ser esquecida.
Vou dizer da fala simples
arrancada da terra, para abaixo dela.
Vou assinar o recado que é dado
por todos os morros e favelas.

Vou comer o mundo inteiro à garfada –
o que vier eu traço.
Se passar mal, é comigo;
sou eu e o tal; é o mundo.

E pra a casa do caralho esse sistema;
essa moralzinha,
capitalista de merda,
e todo seu dinheiro acumulado.
E toda sua exploração premeditada.

Tenho ânsias e tonturas ao ver as paisagens sociais do mundo;
e um nojo imenso desse “Estado Democrático”
de direito para quem pode pagar,
feito para que poucos possam pagar e imposto à paulada de polícia.

Não vou manter a calma e contar até dez,
ou esperar 2030.
De qualquer vômito se faz poesia!

Janela de frente


Levanto cedo e me sento
na varanda de frente
[para o crime?]
para o centro. –
Ainda quieto; acorda e se espreguiça.

Primeiros, pequenos passos
de sono interrompido –
despertador –

cortinas e janelas se abrem,
céu limpo, o vento é calmo
e agradável
café é preparado.

Ônibus urram. Definem e ditam os rumos da caminhada
e as primeiras motos já se destacam.
Seguidamente, loja após loja anuncia
o início da temporada diária de caça
com o som metálico-estridente de seu abrir de grades.
É tempo de pressa, meus caros,
é hora para os apressados; carros
já tumultuam trânsitos e buzinam.
Os primeiros estacionam e o trabalho começa;
não há mais para onde correr
à luz do dia tudo é voltado para a produção
de uma vida que não sabe aonde vai nem porquê.
É chibata no lombo de qualquer poeta ou beat;
é sufoco para o homem que aperta a gravata
e sorri a mulher que há de ser estuprada.
Tudo que visa à calma do mercado, prevê
sua servidão voluntária ao padrão de vida do patrão
que confia a você o trabalho de querer manter.
Eis a ordem,
Sorria!

É concreto que o concreto desperta;
E vejo tudo de muito perto, desperto.
Sinto. E os cheiros do pneu e asfalto me fizeram poeta.
Há todo um escárnio cá embaixo,
Abaixo do véu da fumaça, tem fogo e o pau-quebra.
Mas por enquanto é só o início,
Aproveite bem a aurora do começo do dia.