quinta-feira, 29 de julho de 2010

Mas, antes de qualquer coisa, eu preciso aprender a fala.

Aprender a dizer as coisas, retas, sem dar asas ao drama,
desfazendo tantas tramas na descomoção dos lábios tensos.
Tenho que desimaginar a contínua transa entre o espírito e matéria, deixar de ver nas pedras substâncias nada etéreas;

pôr de lado tanto sonho e perceber que é no mundo que mais medo escondo.

Tenho que olhar menos nos olhos - pessoas jamais entendem gestos - querem na doçura da boca ver ruir todos os sonhos.
E ver que se faz de palavras o seu mundo concreto.

Pois é prejuízo meu: saber que sou feito de carne e não de verbo
e ainda mais saber que é inválida a minha postura.
que preciso apalavrar-me, descarnalizar-me.
É prejuízo meu!

E é também só lembrar-me defronte ao médico que corpo e coração e fígado e cérebro são vocábulos,
e que ossos,
são os que sustentam.

Não obstante, para a minha última esperança, ainda não me conveceram de que alma é palavra.
É assim que dissolvo-a (matéria); desse modo que ainda penso fazer dela minha escrava.
28/07/2010
Cantei canções de esquecimento,
quis ver minha memória desaparecer,
e sentir morrer com o tempo
o trauma que da vida é crescer.

Mas, mesmo indo a deusa
Parar bem longe de mim, com o vento,
é difícil retirar o que da vida mesma
Já marcou e está cá dentro.

E não há mais profundo turbilhão,
mais intensos e determinantes sofrimentos
Do que aqueles que mesmo sem explicação,

São feitos na carne e não na história,
Não dependem da razão ou de Minemosine,
deusa que de uma só vez, nos conserva e nos oprime.

27/07/2010
Frente-a-frente; face-a-face; dia-a-dia; passe e impasse.
Dei voltas na cintura do mundo,
Vi gente viva e também moribundos,
Galopei cavalos e tanques,
Subi em nossos altares e nos palanques.
Cri em nossas medidas e em nossas chances?
Ganhamos mais nas derrotas que nas revanches?

Como saber afinal se é o alvo ou a fecha?
Se o arco ou arqueiro?
As formigas ou o formigueiro?
Minha mãe ou o mundo inteiro?

É de vontade de saber que me afasto, bem matreiro...
E me reservo de perguntar sobre o que é pequeno e corriqueiro; e me perco a devanear o universo num cinzeiro.

Conjecturo constelações, outras terras, mundos, reinos, deuses. E acabo por esquecer-me do porque abstraio: é para não ver repetida no mundo, a minha imagem em tantas vezes...

27/07/2010

Doença

Não entendo o que se passa

Mas, no entanto não deixa de passar
Talvez seja apenas uma farsa
Que insiste em figurar

Mesmo assim ouso falar
Ouso contar o que sinto
Ouso gritar minha doença

Que não sara
Que não é rara
Que me faz torpe


Em vão poucos escreveram longos discursos para posteridade
E sem notar a si, todos acataram e cantaram as palavras vazias

O que era sensível,
O que era idéia,
O que era apenas palavratório
Fixou-se no espaço e nos concentrou o tempo

Paramos de pensar de fato
Passamos a correr pela mente caduca e humana
Pesados, cheios do fardo meditativo

Não basta mais viver é preciso mais!

É necessário o constructo imperativo que nos regula
É preciso deixar a matéria de lado e se chafurdar na lama intelectiva

Enquanto os santos nos ditam a imoralidade dos costumes
E os ascetas isolam-se em um mundo metafísico e impalpável
De tamanha consciência hiperbólica

E os brilhantes oradores do Ser rezam-se


O vegetativo senso comum é que possui mais bom senso:
Utilizar, desgastar o fruto de nossas próprias quimeras até o máximo
Até o fim, até o píncaro!

Quando não pudermos mais... Cairemos fartos e amargurados de nos mesmos
Cantaremos os salmos da boa nova
E nos sentiremos plenos de consumação
Saberemo-nos doentes de almas santas
De corpo são e purificado

Saberemo-nos doentes, meditativos e intactiveis
Saberemo-nos doentes , lotados de gozos e fartos de desejos
Saberemo-nos doentes

Por fim, faremos Filosofia.
Por sermos doentes de corpo e alma
Com a alma pura e o corpo são
Por sentirmo-nos mais doentes do que somos de fato.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Dei ao teu corpo uma nova qualidade,
Fiz dele uma memória alva
e como se me escapassem as coisas
vivo nele como numa cidade.

Percorro em teu seio, um palavrório,
que de uma saliva imaginada
tornas a minha língua, quente e faminta,
nas tuas costelas, gesto mais simbólico.

De tua meninice percebi uma sina:
Não há nada em teu ventre que me permita enganar-me
Não há nada em teu sexo que impeça que eu minta.

Nunca em teus cabelos negros
haverá tanta profundidade
nem mesmo diante da desfaçatez
de um poeta que te cativa,
apenas porque dele, já se esvai a mocidade.
Dormi e acordei
assustei-me mas não cedi
ao sonho que me aconteceu
quando pensei e não dormi.

Comi mas não sentei
à mesa em que já senti
que fiz parte de alguém
algum lugar ou aqui.

Sofri mas não amei
porque já não quis sair
da treva em que depositei
o meu novo jeito de sorrir.

E como agora já não sei,
o que há de ser pra mim...
José! me ajude a dizer:
"Só sei que não vou por aí!"

domingo, 4 de julho de 2010

Ser feito de concreto

De manhã cedo
ando pela cidade
como quem carrega um soro.
Pesado fado de quem está vivo.

Primeiros raios de sol
e não vejo o belo,
enxergo, sim, o opaco,
poluído horizonte do destino
de viver no concreto,
que trago no pulmão encardido.

Corre em meu sangue apenas fumaça.
Vivo como quem morre,
mas esquece ou não sabe.
E vaga maldizendo a sorte
de quem não encontra
verdadeira, certeira morte.

Sofro ao olhar para o lado
e reconhecer a doença
que mata por parasitose.

Vivendo em seu leito de morte,
faltando-me o ar da arte,
maldigo-a, oh! oportunista cidade.