"É mais um dia
do dia-a-dia
que se repete todo dia.
É muito chato e se repete a cada dia."
E nessas manhãs
só há pressa pra apertar gravata e sair pro trabalho.
Há um amor em situação delicada,
um amor que não se sente à vontade.
Que é uma espera que se perpetua,
uma vontade que seca e definha
à espera de um tempo
que só se apressa e nunca chega.
Promete que chega um dia
mas este dia ninguém chega a ver.
Sai para a rua o apressado homem que deve
cumprir todas as tarefas em tempo recorde.
Levar os filhos à escola, enquanto reclamam;
conversar com a mulher, em duvida sobre se amam.
Pagar contas de água, luz, televisão;
prestação de carro, apartamento, financiamento.
Enquanto faz tudo e mais um pouco; se lembra do afeto.
É um homem
que não liga para a mãe,
que não vê os amigos,
que não ri com o pai,
que não sabe dos filhos,
que não transa mais;
e sente saudade.
Mas passa por cima
pois há um chefe que cobra metas e alerta,
xinga se, por um segundo,
sonha.
E é o homem que se aperta.
Comprime sua raiva que não pode ser expressa;
sufoca a insônia e come angústia.
É o homem que agora foge de uma relação profunda,
que já nem pensa mais,
ou ama mais,
que não vê o mar e não mergulha.
Faz tudo que faz sem saber
e já nem sabe que devia se preocupar
e já não vê que precisa de alento.
Que já não está mais atento,
fora roubado em seu trabalho e seu tempo.
Para tudo que faz falta o ar, o estar pleno.
Ofega,
aperta o peito e adormecem as pontas dos dedos.
aperta o peito e adormecem as pontas dos dedos.
Não mais a partir deste dia que começou igual.
Em um segundo de espera para atravessar o sinal,
olhou ao redor. Percebeu e questionou o Homem.
Em sua cidade, viu as ruas compostas de pressa
e quis saber do mundo mais que da caixa preta.
Pensou que era piada uma organização financeira
que girando em ciclos, está presa
e emperra os homens da Terra
com sonhos de acumulação neurótica
e prisão verdadeira de mentes e corpos.
Não é lícito mentir que não sentiu medo;
era a tormenta que se apresentava
em giros no meio do caminho.
Lembrou-se da vida inteira como morresse
e sentiu raiva consciente do dia-a-dia que o matava.
Inflamaram-lhe as vísceras e os olhos
com o fogo juvenil da ânsia pelo desastre
e quis matar, o homem.
Um a um, todos os sentimento guardados
subiram à superfície da pele e emitiram luz.
Era um soluço e um brilho para cada mágoa ressentida;
uma tosse para cada sapo engolido;
um espirro para alegrias que passaram e não viu.
Azul, amarelo, verde, vermelho e roxo, era o homem e não
sabia.
Um surto psicótico à luz do dia,
sucedido de AVC e enfarto enquanto gargalhava.
Nosso personagem sentiu romperem os vasos sanguíneos.
Sentiu o sangue jorrar dentro de seu corpo até sua morte.
Para ele foram flores e cores das quais gostava e (há muito) não via.
O relatório médico é frio por que não soube o que ele
sentia.
Nosso personagem foi, um dia, um homem de sensibilidade,
sentiu, na hora da morte, o prazer da naturalidade.
Sentiu que tudo em seu corpo se transformava.
Seus órgãos viraram lagos e mares,
seu sangue, flores;
sentimentos, música.
Sentiu o que não podia ver ou viver para ver, e amava.
Sentiu sua existência jorrar em arco-íris,
banhar a existência cinzenta das cidades
e canalizar-se em um riso enorme
a despertar os homens e alegrar as crianças.
Como devem ser os homens e as crianças.
Toda a confusão de alguns instantes e o homem amou o mundo
Toda a confusão de alguns instantes e o homem amou o mundo
e quis que se amassem neste mundo;
transcendeu o Homem, o homem no mundo.
Em paz e em riso morreu um homem de terno
à luz de um meio-dia.
à luz de um meio-dia.